Noite escaldante em Istambul, embora não tão escaldante como as colinas portuguesas que, em pleno agosto, mais uma vez, infelizmente ardem como se fossem tochas olímpicas esquecidas à beira da estrada.
O Benfica, de Bruno Lage, aterrou em terras turcas com uma missão simples, o de congelar o fogo do inferno turco, resistir à pressão do estádio Şükrü Saracoğlu e regressar a Lisboa com um resultado que deixasse a chama imensa da Luz brilhar.
Dito e feito! Não precisou de um extintor, nem das mangueiras dos bombeiros voluntários de Viseu, fê-lo com a velha técnica do ‘abanar a toalha molhada’ ou seja, defender, sofrer, ver Florentino pôr mais lenha na fogueira com uma expulsão pateta, e ainda assim, segurar o nulo.
Do outro lado, o Fenerbahçe apareceu com mais espuma que uma sauna turca às três da manhã. O entusiasmo do público era tal que até os vendedores de kebab à porta do estádio se esqueciam de dar o molho picante.
No meio de tudo isto, André Ventura, de cachecol encarnado aos ombros, algures em Portugal, provavelmente esperneava contra a televisão. Convencido de que os turcos são “preguiçosos” e incapazes de meter intensidade, pode ontem ter ficado com uma ideia diferente. Sejamos honestos, bastava um financiamento ainda da zona de Istambul e passavam de preguiçosos a atletas olímpicos em 10 segundos.
Os turcos correram, forçaram, tentaram mas a bola não entrou.
O apito inicial soou e o Fenerbahçe entrou com o ímpeto de quem acabou de sair de um banho turco de três horas, suado, motivado, e pronto para deitar abaixo qualquer coisa que lhe aparecesse pela frente.
O Benfica, por seu lado, parecia o vizinho que, ao ver o incêndio a começar no pinhal ao lado, pensa: “se calhar não chega cá, vamos esperar para ver”. Assim foi, os encarnados deram a bola ao adversário, fecharam-se atrás e deixaram os turcos brincar ao pião.
Enquanto isso, nas bancadas, o ambiente era espetacular, turcos a cantar, turcos a gritar, turcos a atirar cachecóis ao ar, parecia um ‘after’ no Honi Beach a terminar na praia a comer um cachorro às 10 da manhã.
Bruno Lage, de mãos nos bolsos, parecia aquele vizinho que assiste aos vizinhos carregados de tralha a mudarem de casa.
“Não precisam de ajuda pois não?”
A primeira parte terminou como começou, com o Fenerbahçe a carregar, o Benfica a encolher-se, e os comentadores a falar mais do calor húmido da Turquia do que do futebol.
Por falar em comentadores, como seria comentar um jogo na Turquia sem internet há uns anos atrás? Dizer aqueles nomes abstratos, escrever esses mesmos nomes nas fichas de jogo e nas crónicas. Para fazer uma crónica de um jogo na Turquia um jornalista deveria demorar uns três dias. Quando a escrevesse já estavam a jogar a segunda mão.
No início da segunda parte, o Benfica até tentou mostrar que tinha vindo à Turquia para mais do que tirar selfies no Bazar. Aursnes, sempre ele, acelerou como um veleiro mar a dentro, mas o vento estava fraco.
Do outro lado, o Fenerbahçe de José Mourinho abanava, parecia estar a jogar Paint ball na área do Benfica. Disparo atrás de disparo, cruzamento atrás de cruzamento, e Trubin sempre limpo porque as armas não foram carregadas.
Aos 71 minutos, o jogo estava em brasa. Foi então que Florentino decidiu pôr o fósforo na gasolina. Já tinha um amarelo, fez nova falta e o árbitro, com a serenidade de quem acende um cigarro ao lado de um carro a GPL, mostrou-lhe o segundo cartão. Expulsão.
O Fenerbahçe atacou, atacou, atacou. Akturkoglu parecia possuído, como se quisesse provar que não precisava de fuga nenhuma para a Turquia, já estava em casa. Rematou de longe, tentou de perto, fez de tudo para que os turcos paguem o que o Benfica quer.
Do outro lado, Bruno Lage fez substituições como quem troca baldes furados: meteu Barreiro, meteu Ivanovic, mas nada parecia funcionar. A equipa estava encurralada, os turcos assobiavam como gaivotas famintas e circundavam a presa.
Aos 80 minutos, Trubin ia dar um daqueles frangos que parecem que vão ao ginásio e até se confundem com perus, mas o avançado do Fenerbahçe estava em posição irregular. Salvos pelo apito.
O mesmo apito que durou o final da partida e o Benfica tinha sobrevivido ao inferno turco de José Mourinho, saindo mais do que vivo para a segunda mão a ser jogada no Estádio da Luz. Até lá é treinar passe com o Richard Rios, pois os pés do Colombiano parecem os do Batatinha antes de um espetáculo.
Viva o futebol!