10 de julho de 2016. Minuto 109 do França-Portugal. O jogo que viria a mudar tudo neste pedacinho de terra à beira-mar plantado. O jogo da crença, da quebra do tabu. O jogo que fez Portugal andar de cabeça erguida no mundo do futebol, sem o rótulo do ‘quase’ que sempre carregou nas costas. Depois daquele pontapé de Éder, ganhámos o direito de comer à mesa com os ‘tubarões’.
Muito já se se disse e se escreveu sobre esse 10 de julho. Nove anos depois, são poucos os pormenores daquele dia que se perderam. Parecia algo profético. Escrito nas estrelas.
Tinha tudo para correr mal. E correu às mil maravilhas.
FOTOS: Recorde a festa de Portugal no Stade de France
Jogar no Parque dos Príncipes diante da França uma final de um Europeu? Para Portugal era derrota certa. Não havia como fugir a isso. A história já o tinha confirmado. A estatística também. Tinham tudo para pintar Paris de ‘bleu’ e esfregarem a vitória, mais uma vez, na cara dos portugueses. Acabaram a engolir em seco.
Se a desmedida crença lusitana, essa que nos leva a acreditar que podemos ganhar a qualquer um – e podemos -, empurrava-nos para o triunfo, um momento de lucidez seria suficiente para nos derrubar. As derrotas contra os gauleses em fases finais eram mais do que muitas. Já não conseguíamos vê-los a frente. Meia-final do Euro 84 (2-3), meia-final do Euro 2000 (1-2 com golo de ouro, de grande penalidade), meias-finais do Mundial 2006 (0-1). Era demais.
Sempre a bater à porta das finais, sempre a levar com a porta na cara. Sempre com os mesmos. Jogávamos bem, perdíamos. Jogávamos melhores do que eles, perdíamos. Eles jogavam melhor, ganhavam. O jogo era dividido, perdíamos. Antes desse 10 de julho de 2016, 18 derrotas em 24 jogos contra a França. São muitas derrotas.
E quis destino que a primeira vitória em jogos oficiais diante da França valesse o primeiro grande título para Portugal. Quem diria!
A alimentar o sonho dos que acreditam sempre, seis vitórias, todos eles em amigáveis, estes jogos que pouco contam. Mas era qualquer coisa.
E aquela final? Escusado lembrar o ambiente à volta da Seleção, o apoio dos emigrantes. Sim, estávamos em casa.
Portugal foi crescendo na prova, de empate em empate na fase de grupos até acabar com a calculadora na mão no derradeiro jogo (adorámos calculadoras, não é?. Uma combinação de resultados colocou-nos no lado bom do Euro2016, longe da Espanha, Itália, Alemanha e França.
Aquela em que tivemos de ir a prolongamento para afastar a Croácia (obrigado, Quaresma!), e aos penáltis para eliminar a Polónia nos ‘oitavos’, ao nosso melhor jogo na prova diante do País de Gales (2-0) nas meias-finais.
E a final? Bom, se antes tinha tudo para correr mal, após a saída aos 25 minutos de Cristiano Ronaldo (lesão), o abono de família da Seleção, não ficou melhor. Claro que não. E foi aí que emergiu uma equipa. Nani pegou na batuta, assumiu as responsabilidades, Quaresma, que entrou no posto de CR7, mostrou ao que vinha.
Rui Patrício ganhou direito a ter uma estátua em Leiria (devia ter uma em todos os capitais de distrito de Portugal). Lá atrás, o que Rui Patrício não apanhava, Pepe, José Fonte, Cédric e Raphael Guerreiro já tinham limpado. Os quatro do meio lutavam com tudo: William Carvalho, Adrien Silva, Renato Sanches e João Mário. Moutinho entrou para ser enorme.
Foi uma prova de resistência, há que admitir. Eles foram melhores, criaram as melhores oportunidades. Mas era dia de mudar a história. Estávamos fartos de perder para a França. A jogar bem, a jogar mal, a jogar assim-assim. Fartos mesmos.
A 11 minutos do final dos 90, antes do prolongamento, Fernando Santos achou que a solução podia estar em Éder, o ‘patinho feio’ do grupo. Tinha acabado de fazer seis golos em 14 jogos pelo Lille em meia época, emprestado pelo Swansea, e tinha 13 minutos somados em dois jogos no Euro2016. Mas o Engenheiro é que sabia. E como sabia!
Escusado falar do nervosismo que ia naquela gente. E em nós, também. Os socos de Ronaldo nas pernas do lesionado Adrién Silva, no banco, onde ninguém conseguia estar quieto. A vontade do capitão em ajudar era tanta que já dava instruções aos colegas em campo, abraçava e discutia táticas com Fernando Santos.
Diz ele que foi o “momento mais alto” da sua carreira. Estamos a falar do Senhor Champions (5), do Senhor Bola de Ouro/The Best (8), do homem com35 títulos coletivos na carreira, com quase mil golos, com mais de 200 jogos pela Seleção A…
“O título de campeão europeu com Portugal é o prémio mais importante que já ganhei. Foi uma noite incrível e inesquecível: chorei, ri, sofri, gritei, fiquei bêbado… Durante esse jogo chorei tanto que fiquei desidratado. No final do jogo, durante as comemorações, bebi uma taça de champanhe e imediatamente subiu-me à cabeça. Eu nunca bebo, mas esse dia foi tão especial. É o troféu mais importante de todos os tempos”, disse CR7, numa entrevista à ‘DAZN’.
O resto é poesia em movimento. É crença, é vontade de um povo que nunca desiste. É potência, é o destino a guiar-nos para a mesa dos graúdos. É loucura no relvado do Stade de France, com Éder à procura de espaço por onde correr, enquanto era caçado por toda a gente, depois daquele pontapé que deve ter partido de Bissau, a terra que o viu nascer. É loucura nas bancadas, lágrimas de alegria de norte a sul de Portugal, nos quatro cantos do Mundo onde havia um português a ver e a sofrer.
Foi assim que o Mundo relatou o golo de Éder
Depois disto, ganhámos duas Liga das Nações, a última ainda este verão, passamos a ser olhados como candidatos em todas as provas de seleções internacionais. Passamos a andar de cabeça erguida.
E sim, iremos sempre nos lembrar do 10 de julho. Afinal, somos um país de Futebol, Fado e Fátima.