Pratica natação de competição há quase 30 anos. Mas nunca foi profissional. E, enquanto atleta amador, são muitas as dificuldades que tem de superar diariamente. Mas nada que o impeça de lutar e alcançar objetivos que muitas vezes parecem inalcançáveis no mundo da natação em águas abertas, vertente pela qual se apaixonou há muito.
Hugo Ribeiro foi campeão nacional de 10 Km em águas abertas, conquistou um quarto lugar numa Taça do Mundo de Ultramaratonas, no Canadá, e mais recentemente tornou-se no primeiro português a completar a mítica ultramaratona aquática Capri-Napoli. Em maio foi o primeiro português a terminar no Top 10 de uma prova do Campeonato Mundial Oceanman – na distância de 10km — entrando para a elite daquela que é uma das competições mais duras da natação em águas abertas a nível mundial.
À conversa com o SAPO Desporto, falou-nos nos desafios que enfrenta no seu dia-a-dia (com os treinos e não só, por não ser um atleta profissional nem ter, sequer, um treinador próprio), da importância do apoio quer familiar, quer de instituições como a Heróis Betano, e do que ainda espera alcançar num futuro próximo.
Os primeiros passos na natação e a paixão pelas águas abertas
“Pratico natação de competição há quase 30 anos — mais precisamente, 28. Aprendi a nadar por volta dos 8 anos, por indicação médica, devido a problemas de asma e alergias. Coincidiu também com o facto de ter um amigo que já nadava, o que me motivou a dar o primeiro passo. No ano seguinte, continuei nas escolas municipais, depois passei para a escola de natação do Leixões Sport Club, em Matosinhos, e pouco tempo depois fui chamado para integrar a equipa de competição”, conta-nos.
Depois, surgiu o desafio da natação em águas abertas. Uma paixão que foi crescendo. “Pouco tempo depois fui chamado para integrar a equipa de competição. Comecei a competir, ganhei gosto e, em 2005, por brincadeira, fiz a minha primeira prova de águas abertas. Foi na Galiza, num evento onde o meu clube foi convidado. Correu muito bem — até fui ao pódio, com a presença do grande campeão espanhol David Meca, o que despertou ainda mais o meu interesse pela modalidade”, recorda.
“O meu objetivo é competir nos eventos mais icónicos, exigentes e lendários do mundo, e tentar alcançar resultados inéditos para Portugal”
O ‘bichinho’ surgiu e não mais o largou. “A partir daí, comecei a investir mais a sério nas águas abertas. Procurei orientação técnica mais específica, porque é uma vertente muito diferente da natação em piscina. Tive a sorte de trabalhar com treinadores que me ajudaram muito nesse processo. Em especial, quando fui treinar com o professor Rodolfo Nunes, em Paços de Ferreira, consegui pela primeira vez adaptar os treinos às exigências das águas abertas, algo que em Portugal ainda é raro”, explica.
Com o tempo, Hugo Ribeiro foi evoluindo e chegou ao topo nacional. Participou em provas internacionais e conquistou alguns resultados importantes. “Desde 2010, quando comecei a especializar-me totalmente nas águas abertas com o professor Rodolfo Nunes, no clube GESPAÇOS, o meu foco foi a distância olímpica dos 10 km e, mais tarde, as ultramaratonas internacionais. Atualmente, essa continua a ser a minha grande aposta, integrado no projeto Heróis Betano. O meu objetivo é competir nos eventos mais icónicos, exigentes e lendários do mundo, e tentar alcançar resultados inéditos para Portugal“, remata.
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A magia das águas abertas: “Um jogo de xadrez em mar aberto”
Mas o que tem então de especial a natação em águas abertas? “É uma realidade totalmente diferente da natação pura em piscina. Estamos a falar de uma modalidade imprevisível, onde entram em jogo muitos fatores: o estado do tempo, a temperatura da água, a orientação no percurso, a leitura do ambiente, a própria estratégia de prova… tudo muda, tudo conta. O que me cativou de imediato foi exatamente essa imprevisibilidade. Não há duas provas iguais. Às vezes, dentro da mesma prova, de um ano para o outro, tudo muda — e isso é algo que não acontece na piscina, onde tudo é controlado”, resume Hugo Ribeiro.
“Além disso, as provas de águas abertas são marcadas por uma forte componente de endurance, que é precisamente a minha especialidade. Essa exigência física e mental, aliada à constante necessidade de adaptação, foi o que me fez apaixonar por esta vertente da natação”, prossegue. “Comecei a dedicar-me mais, a estudar as provas, a perceber como interpretar as condições, a afinar estratégias. Há sempre um trabalho prévio antes de cada competição: analisar o local, prever possíveis cenários, traçar um plano. É quase como um jogo de xadrez em mar aberto“, aponta.
O difícil dia a dia de um atleta não profissional
Atleta amador, com deveres profissionais, sem treinador próprio, casado e com duas filhas, Hugo enfrenta desafios diários para manter o nível competitivo que demonstra nas provas em que vem participando. “Trabalho em part-time, com horários rotativos, o que me obriga a ajustar constantemente a agenda para conseguir encaixar os treinos. Além disso, dou aulas de natação durante a semana. O maior desafio é, sem dúvida, a gestão do tempo. Como tenho uma vida profissional e familiar bastante ativa, o tempo é sempre curto. Muitas vezes, chego ao fim do dia já tarde, e o pouco tempo livre que tenho reservo para estar com as minhas filhas e com a minha família, o que é fundamental”, diz-nos.
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“Em dias em que tenho treino bidiário, o ritmo é especialmente exigente. A hora de acordar depende do planeamento do dia, mas nesses casos tenho de me levantar cedo para treinar logo de manhã. Depois sigo direto para o trabalho e, quando saio, volto a treinar — geralmente antes ou depois das aulas que dou. E se ainda sobrar algum tempo ao fim do dia, faço uma curta sessão de ginásio. Caso contrário, sigo para as tarefas de casa, que também fazem parte da rotina e não podem ser negligenciadas”, sublinha.
“É um malabarismo diário, que exige muita disciplina e organização”
Hugo reforça que tem de haver sempre um equilíbrio constante entre treinar, trabalhar, cumprir com as responsabilidades familiares e ainda encontrar algum espaço para descansar e recarregar. “É um malabarismo diário, que exige muita disciplina e organização”, frisa.
Nada disto seria possível, claro, sem um forte apoio familiar. “A minha base é a família: os meus pais, os meus sogros, a minha irmã, o meu cunhado, e, claro, a minha esposa. Sem esse suporte, seria praticamente impossível conciliar tudo”, refere. “É uma rotina exigente, feita de encaixes constantes, mas com organização, apoio e paixão pela modalidade, tudo se torna possível”.
Os desafios que se seguem
Depois de vários outros feitos, em setembro Hugo Ribeiro tornou-se no primeiro português a completar a mítica ultramaratona aquática Capri-Napoli.
“A Capri-Napoli sempre foi uma ultramaratona muito especial para mim, uma prova histórica e lendária que me despertou o desejo de participar há muito tempo. Para contextualizar, a prova já existe desde 1960 — ou seja, há mais de meio século — e, apesar de um português ter tentado completá-la nessa época, nunca houve ninguém que a tivesse concluído até agora. Durante décadas, esta prova foi considerada o campeonato do mundo de águas abertas, até 1992, o que só reforça a sua importância e prestígio”, explica-nos.
“Antes, não tinha conseguido participar, mas com o apoio fundamental dos Heróis Betano consegui finalmente dar o passo decisivo. A inscrição não é aberta a todos: a prova da Elite é feita por seleção. Enviamos a candidatura, e são escolhidos os melhores nadadores para competir. Fiquei muito feliz por ser aceite nesse grupo restrito. No final, consegui alcançar o 7º lugar, com o 31º tempo mais rápido de sempre entre todas as edições da prova. Foi um resultado que me encheu de orgulho e satisfação, não só por ser o primeiro português a concluir esta ultramaratona, mas também pela performance e pela experiência inesquecível que vivi”, nota.
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E agora, que desafios se seguem? Este ano tem ainda três grandes desafios pela frente. “Três provas que vão marcar a minha época”, resume-nos.
“A primeira é no início de julho, em Vansbro, na Suécia — uma prova histórica que está a celebrar a sua 75ª edição. Apesar de ser uma distância relativamente curta, apenas 3 km, esta é a prova mais participada da Europa em águas abertas e triatlo, com mais de 10 mil atletas ao longo da semana. Já estive nesta prova em 2018, sendo o único português alguma vez presente, mas não correu como esperava. Este ano volto com a ambição de chegar ao pódio”, detalha.
“Os outros dois grandes desafios deste ano são provas de ultramaratona. Vou regressar à prova do Canadá, onde participei no ano passado com o apoio dos Heróis Betano e que a altura não correu tão bem quanto queria. Este ano vou com a determinação de terminar e lutar por uma boa classificação. Por último, vou participar numa ultramaratona internacional em Ohrid, na Macedónia, outra prova lendária que, tal como Capri-Napoli e Canadá, fazia parte do antigo Circuito Mundial de Ultramaratonas. Essa prova tem uma história rica. Está na minha lista de objetivos há muito tempo e até hoje nenhum português a completou”, termina.