A história é conhecida, contada e recontada quase sempre que Cabo Verde joga. E, na segunda-feira, dia histórico para Cabo Verde, não foi excepção. Foi através do LinkedIn eu Rui Águas, antigo selecionador de Cabo Verde, contactou Roberto Lopes, mais conhecido por Pico, para saber da sua disponibilidade em representar os Tubarões Azuis.
A história, com contornos felizes, acabou com Pico a ser um dos esteios da seleção de Cabo Verde, um líder na defesa e um dos principais responsáveis pelo inédito apuramento dos Tubarões Azuis para um Mundial de futebol. Nos históricos 3-0 diante de Essuatíni, Pico teve uma tarde mais ou menos descansada no Estádio Nacional, na Cidade da Praia.
Desde os primeiros momentos de contacto no treino que Rui Águas sentiu que o central de 33 anos iria ser uma peça fundamental. Mas como chegou até Pico?
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A história do LinkedIn
“Quem me disse já não me lembro, mas chegou-me a informação… poderá ter sido alguém da família, ou o Gerson Melo [dirigente da Federação Cabo-verdiana de Futebol] falou com alguém ou alguém falou com o Gerson, já não sei bem… sei que que tínhamos dificuldades de deslocação, de ir ver os jogadores, não havia nem houve nunca essa possibilidade de observar jogadores ao vivo, nem nada… fomos fazendo o que era possível. E o que me pareceu possível, na altura, não tendo contacto nenhum, foi a história do LinkedIn”, começou por contar Rui Águas, em declarações exclusivas à Sportinforma, minutos depois de Cabo Verde confirmar o apuramento para o Mundial 2026.
É um rapaz que desde o princípio se revelou excelente, não só como jogador, que é muito importante, mas um líder. Uma pessoa de uma humildade que a mim me encantou desde o início, diz Rui Águas
O primeiro contacto não teve o efeito desejado e Rui Águas esteve quase a desistir de Pico. Mas iria dar uma segunda oportunidade ao capitão dos irlandeses do Shamrock Rovers.
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“Fiquei um bocado desconsolado porque mandei a mensagem ao Roberto Lopes porque achei que ele conseguia falar português e escrever português, e achei que ele não tinha ligado nenhuma. Pensei, ‘este gajo nem me responde, não quero saber mais dele’. Só que passado, não sei, talvez um mês, se calhar, disse, ‘vou tentar mais uma vez’. E daquela segunda vez resolvi meter a mensagem em inglês e ele, passado um par de dias, respondeu, muito agradecido e muito contente”, recorda o treinador, que liderou Cabo Verde entre 2014 e 2015, e entre 2018 e 2019.
O antigo avançado de Benfica, FC Porto, Portimonense, entre outros, sente que foi “muito feliz” no contacto, por tudo aquilo que Roberto Lopes ‘Pico’ veio dar à seleção de Cabo Verde.
“É um rapaz que desde o princípio se revelou excelente, não só como jogador, que é muito importante, mas um líder. Uma pessoa de uma humildade que a mim me encantou desde o início. É um dos atores principais desta odisseia. Fiquei muito contente por ele também”, desabafou.
Rui Águas e os nervos normais de quem está prestes a fazer história
Espetador atento, via televisão, do encontro na Praia, Rui Águas foi sofrendo, como adepto dos Tubarões Azuis. Tal como tinha sofrido na quarta-feira, quando Cabo Verde empatou 3-3 com a Líbia, num jogo onde a vitória teria dado o apuramento antes da última ronda. O antigo timoneiro de Cabo Verde viu uma equipa nervosa, com um peso enorme em cima, perante um dos momentos mais altos da história do desporto cabo-verdiano.
“Desde logo [viu-se um jogo] muito marcado pela importância e pela proximidade de um feito histórico. Acho que se notou perfeitamente hoje, mas se calhar principalmente na Líbia que é uma equipa melhor. A equipa sentiu bastante a responsabilidade e a proximidade deste grande êxito. A maioria das equipas têm esses momentos, não acho que seja uma caraterística de Cabo Verde. As coisas são muito específicas, circunstanciais… mesmo uma equipa experiente sente os momentos importantes. E Cabo Verde vivia uma situação nunca antes vivida. Isso sente-se, os jogadores sentem isso das pessoas, dos adeptos, da família. Tudo isso cresce e é difícil de gerir porque os jogadores são pessoas”, analisou.
Rui Águas elogiou o percurso da seleção orientada por Pedro Brito ‘Bubista’, principalmente depois de arrancar a qualificação com uma pesada derrota diante dos Camarões (1-4 fora), a única em todo o apuramento. Por isso, há que dar “ainda mais mérito” a este êxito, uma “mostra de um grupo que se reuniu depois de uma derrota pesada e conseguiu fazer o que fez até hoje.”
Presença no Mundial pode chamar mais craques para os Tubarões Azuis
O inédito apuramento para o Mundial 2026 irá abrir muitas portas à seleção de Cabo Verde. A começar no recrutamento. Os jogadores que dantes pediam para não ser convocados porque tinham esperanças de representar outras seleções de nomeada, agora poderão estar mais receptivos aos convites para ser juntarem à família Tubarões Azuis.
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“Cabo Verde ganha, neste momento, outra visibilidade e importância enquanto seleção. É conhecido que, quando eu estava [como selecionador] e antes de mim, que não era propriamente fácil. Havia jogadores que diziam que não e, pronto, tem de se compreender, jogavam noutros contextos, com outras pretensões… mas agora este é um passo que pode marcar a diferença em muita coisa: no futebol cabo-verdiano, na seleção, no país, socialmente. É uma conquista incrível que pode ajudar e muito”, elogiou.
Os outros ganhos, sublinha Rui Águas, serão no campo: “Uma equipa já ter esta vivência, de os seus jogadores estarem presentes num Mundial… isso dá uma bagagem importante em termos de experiência, de confiança no futuro”, recordou.
Fora de campo, o dinheiro que a Federação Cabo-verdiana irá receber da FIFA, poderá servir para melhorar as condições das infraestruturas. Rui Águas sabe bem do que fala.
“Não faço ideia sobre os apoios internacionais para a infraestruturas, é uma coisa que é bastante importante… Ainda hoje estava a olhar para o campo, a olhar para o vento… temos dificuldades em jogar em casa. Temos a facilidade e a felicidade por causa do público, mas as condições são adversas. Sei que é difícil, são coisas que custam muito dinheiro, mas até que ponto o estádio nacional serviria…. não sei, foi uma questão que me passou pela cabeça. Mas a questão de uma equipa jogar em casa, jogar com condições que não são boas para ganhar, nunca foi positivo, nem fácil. Daí também o maior mérito ainda… se bem que com Camarões…por obra e graça de não sei quem, o vento e a chuva pararam, que é uma coisa raríssima. É muito curioso, num jogo que foi chave, estas condições estavam ótimas, como nunca, contra um adversário daqueles”, recordou.
Rui Águas comandou a seleção de Cabo Verde em 23 jogos oficiais, entre 2014 e 2015, e 2018 e 2019. Levou Cabo Verde à CAN2015.