Um grupo de organizações da sociedade civil angolana divulgou uma carta aberta em que manifesta “profunda indignação e séria preocupação” com o que considera ser uma má gestão dos recursos públicos em Angola. No centro das críticas estão os elevados gastos com o jogo amigável entre as seleções de Angola e Argentina e as obras de reabilitação do Estádio Nacional 11 de Novembro, em Luanda.
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Segundo os dados citados no documento, o Estado angolano terá gasto entre 10 e 12 milhões de dólares (8,6 a 10,4 milhões de euros) para garantir a presença da seleção campeã do mundo, liderada por Lionel Messi, e cerca de 13,6 milhões de dólares (11,75 milhões de euros) na segunda fase da requalificação do estádio. No total, os investimentos ultrapassam os 25 milhões de dólares (21,6 milhões de euros) — um valor que, dizem as organizações, “esbarra de forma flagrante com a grave realidade socioeconómica que o país enfrenta”.
A carta é assinada por cinco entidades: a Associação Luterana para o Desenvolvimento de Angola (ALDA), a Associação Omunga, a Organização pelo Observatório para a Coesão Social e Justiça, a Associação UYELE e a Friends of Angola (FOA).
“Num país onde o salário mínimo oficial é de 100 mil kwanzas (cerca de 94 euros), e onde muitos cidadãos recebem ainda menos, gastar dezenas de milhões de dólares em eventos meramente simbólicos representa uma inversão grave das prioridades nacionais”, denunciam as organizações.
As associações acusam o Governo de Angola de falta de transparência e de inverter as prioridades, privilegiando o espetáculo desportivo em detrimento das necessidades básicas da população.
“Esta prática constitui uma afronta aos princípios de justiça social, responsabilidade pública e boa governação”, sublinham, considerando haver “um profundo descompasso entre as decisões políticas e as reais necessidades do povo angolano”.
As organizações lembram ainda que os fundos públicos em Angola só podem ser criados por despacho presidencial acompanhado de relatório justificativo de viabilidade técnica e económica, e afirmam que os gastos com o jogo “contrariam normas de boa governação e obrigações de priorização de recursos para direitos fundamentais”.
Entre as exigências, destacam-se transparência total sobre os custos e contratos, reavaliação das prioridades orçamentais e a criação de mecanismos independentes de auditoria, bem como a reafirmação do papel social e inclusivo do desporto.
A carta recorda também os indicadores de pobreza e fome no país: segundo o Programa Alimentar Mundial, metade dos angolanos vive com menos de 3,65 dólares por dia, enquanto o Índice Global da Fome 2025 coloca Angola entre os 13 países com maior nível de fome no mundo, o pior entre os lusófonos.
Com 47,7% das crianças com menos de cinco anos em atraso de crescimento e mais de 22% da população subnutrida, as organizações questionam se o investimento milionário num jogo de exibição “reflete o compromisso do Estado com o bem-estar dos cidadãos” — ou se é, antes, mais um exemplo de “desalinhamento entre o poder e o povo”.























